quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Acompanhar o irmão que nos acompanha



Ainda a noite é uma criança e o nascer do dia a algumas horas de distância, é vê-los sair das suas igrejas, e é assim todos os anos pela Quaresma. São os romeiros, homens de barba rija e crianças valentes, que durante longos dias, deixam os seus confortos, as suas casas, os seus bens materiais e especialmente a sua família, negando-se a si mesmos, tomando as suas cruzes e seguindo-O1, entoando orações e cânticos dolentes melodiosamente gregorianos.

Em duas alas, seguem Aquele que vai à frente, levando o terço numa mão e o bordão na outra. Lado a lado, irmão a irmão e entre irmãos, bordão a bordão. Mas acompanhar pressupõe delicadeza e todo o respeito possível para com o outro, o que vai há frente, ou que vai ao lado ou o que vai atrás (pelo menos), isto é, em romaria e enquanto se caminha com o terço numa mão e o bordão na outra, não devemos criar ruídos de fundo, para que o irmão que reza, reze verdadeiramente e possa escuta-Lo em profundidade, seja no silêncio da oração, nos aromas que pairam no ar ou na brisa que passa.
É preciso aprender ou relembramo-nos a “descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro”2 e “dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã”3. É preciso acompanhar o irmão que nos acompanha com misericórdia não só nas etapas do seu crescimento como também nas nossas, porque um pequeno passo no meio das nossas limitações, poderá ser mais agradável a Deus do que tudo o resto. Um pequeno passo poderá apenas ser, saber respeitar o silêncio e a oração do outro que nos acompanha em romaria. “A oração deverá ser feita, na medida do possível, numa situação de serenidade de espírito e, portanto, no silêncio e com a alma livre de qualquer ansiedade”, como escreveu Santa Ângela de Foligno.

Termino, relembrando a todos os irmãos romeiros, começando por mim que “O cristianismo é uma religião de relação. Há regras, há normas, há cânones, há tudo isso... Mas se não assentam sobre uma relação pessoal com Deus, com Jesus Cristo, são como o bronze que ressoa, para usar um termo evangélico”4.


Paulo Roldão
(um irmão romeiro, como os demais)

1 - Lc 9, 23
2 - Ex 3,5
3 - EG 169
4 - Excerto da introdução do livro “Que fazes aí fechada?” de Filipe D`Avillez

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