sábado, 3 de abril de 2021

46. Sábado santo: Utilidade da descida de Cristo aos infernos


Sábado santo

Da descida de Cristo aos infernos podemos tirar quatro ensinamentos para

nossa instrução.

1. — Primeiro, uma firme esperança em Deus, pois quando quer que o

homem esteja em aflição, deve sempre esperar do auxílio divino e nele

confiar. Nada há de mais sério do que cair no inferno. Se portanto Cristo

libertou os que estavam nos infernos, cada um, se é de fato amigo de Deus,

deve muito confiar para que Ele o liberte de qualquer angústia. Lê-se:

"Esta (isto é, a sabedoria) não abandonou o justo que foi vencido (...) desceu

com ele na fossa, e na prisão o não abandonou" (Sb 10, 13-14). Como Deus

auxilia aos seus servos de um modo todo especial, aquele que O serve deve

estar sempre muito seguro. Lê-se: "O que teme ao Senhor por nada trepidará

e nada temerá por que Ele é a sua esperança" (Ecl 39, 16).

2. — Segundo, devemos despertar em nós o temor, e de nós afastar a

presunção. Pois, apesar de Cristo ter suportado a paixão pelos pecadores, e

ter descido aos infernos, não libertou a todos, mas somente àqueles que

estavam sem pecado mortal, como acima foi dito. Aqueles que morreram em

pecado mortal, deixou-os abandonados. Por isso, ninguém que desça de lá

com pecado mortal espere perdão. Mas ficarão no inferno o tempo em que

os Santos Patriarcas estiverem no Paraíso, isto é, para toda a eternidade. Lêse

em São Mateus: "Irão os malditos para o suplício eterno, os justos, porém,

para o Paraíso" (Mt 25, 46).

3. — Terceiro, devemos viver atentos, porque se Cristo desceu aos infernos

para a nossa salvação, também nós devemos com solicitude lá descer em

espírito, meditando sobre às penas nele existentes, imitando o Santo

Ezequias, que dizia: "Irão os malditos para o suplício eterno, os justos, porém,

para o Paraíso" (Is 38, 10).

Desse modo, aquele que em vida vai lá pela meditação, não descerá

facilmente para o inferno na morte, porque essa meditação afasta do pecado.

Aos vermos como os homens deste mundo evitam as más ações por temor

das penas temporais, como não deveriam eles muito mais se resguardarem

do pecado por causa das penas do inferno, que são muito mais longas, mais

cruéis e mais numerosas? Eis porque lê-se nas Escrituras: "Lembra-te dos

teus últimos dias, e não pecarás para sempre" (Ecl 7, 40).

4. — O quarto ensinamento tirado da descida de Cristo aos infernos, é nos

ter Ele oferecido um exemplo de amor. Cristo desceu aos infernos para

libertar os seus. Devemos também nós lá descer pela meditação, para

auxiliar os nossos. Eles, por si mesmos, nada podem conseguir. Nós é que

devemos ir em socorro dos que estão no purgatório. Se alguém não quisesse

socorrer um ente querido que estivesse na prisão, como isso nos pareceria

cruel! No entanto, seria muito mais cruel aquele que não viesse em socorro

do amigo que está no purgatório, pois não há comparação entre as penas

deste mundo e aquelas. Lê-se a esse respeito: "Tende piedade de mim, tende

piedade de mim, pelo menos vós, ó meus amigos, porque a mão de Deus me

socorre" (Jo 19, 21). — "É santo e salutar o pensamento de orar pelos defuntos

para que sejam livres dos pecados" (Mc 19, 46).

São auxiliados os que estão no purgatório principalmente por três atos,

conforme disse Agostinho: pelas Missas, pelas orações e pelas esmolas.

Gregório acrescenta um quarto: o jejum. Não deve causar admiração que

assim seja, porque também neste mundo o amigo pode satisfazer pelo

amigo. A mesma coisa acontece com os que estão no purgatório.


In Symb.

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

sexta-feira, 2 de abril de 2021

45. Sexta-feira santa: A morte de Cristo *


 Sexta-feira santa


Foi conveniente que Cristo morresse, pelas seguintes razões:

1. Para consumar a nossa redenção, pois, apesar da Paixão ter virtude

infinita por causa da união da divindade, não foi durante um sofrimento

qualquer que nossa redenção foi consumada, mas na morte de Cristo. Por

isso diz o Espírito Santo pela boca de Caifás (Jo 11, 50): convém que morra

um homem pelo povo. E santo Agostinho: Admiremos, congratulemo-nos,

rejubilemo-nos, amemos, louvemos e adoremos, pois, pela morte de nosso

redentor, fomos chamados das trevas à luz, da morte à vida, do exílio à

pátria, do luto à alegria.

2. Para o aumento da fé, da esperança e da caridade.

Quanto ao crescimento da fé, aquilo do salmista: quanto à mim, estou só até

que eu passe, i. é, deste mundo ao Pai. Mas, quando tiver passado deste

mundo ao Pai, então serei multiplicado. Se o grão de trigo que cai na terra

não morre, permanece só.

Quanto ao crescimento da esperança, diz o Apóstolo (8, 32): O que não

poupou nem o seu próprio Filho, mas por nós todos o entregou, como não nos

dará também com ele todas as coisas? É inegável que dar todas as coisas é

ainda menos que entregar Cristo à morte por nós. São Bernardo diz: "Quem

não se encherá da esperança de possuir confiança, se considerar a posição do

corpo crucificado de Cristo? Sua cabeça inclinada, para dar-nos o ósculo da

paz; seus braços estendidos, para nos abraçar; suas mãos traspassadas, para

nos cumular de bens; seu coração aberto, para nos amar; seus pés cravados,

para permanecer conosco". Lemos nas Escrituras (Ct 2, 14): "Pomba minha,

tu que te recolhes nas aberturas da pedra". Nas chagas de Cristo, a Igreja

estabeleceu e fez seu ninho, colocando a esperança de sua salvação na Paixão

do Senhor; e assim protege-se das surpresas do falcão, i. é, do diabo.

Quanto ao crescimento da caridade, aquilo das Escrituras (Ecle 43, 3): "Ao

meio dia queima a terra". Ou seja, no fervor da Paixão, ardem de amor os

corações terrestres. Diz ainda são Bernardo: "O cálice que bebestes, ó bom

Jesus, mais que tudo, vos fez amável. A obra de nossa redenção reivindica

absoluta e prontamente todo nosso amor para si; ela faz agradável a devoção,

torna-a mais justa, une-nos mais estreitamente e com maior veemência nos

toca o coração."

3. Por causa do sacramento da nossa salvação, para que, pelo exemplo de

sua morte, morrêssemos para este mundo. "Por isso a minha alma prefere a

suspensão, os meus ossos preferem a morte" (Jó 7, 15). E são Gregório

comenta: "A alma é a intenção do espírito, os ossos são a força da carne. O

que está suspenso, foi erguido do chão. A alma, portanto, foi erguida às

coisas da eternidade, para que morram os ossos, pois o amor da vida eterna

destrói em nós toda a força da vida exterior". Ser desprezado pelo mundo é

o sinal desta morte. São Gregório acrescenta: "o mar retém os corpos

viventes, mas rejeita os cadáveres".


De humanit. Christi

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

quinta-feira, 1 de abril de 2021

44. Quinta-feira santa: A ceia do Senhor *


 Quinta-feira santa


O Sacramento do Corpo do Senhor foi convenientemente instituído na

Última Ceia, e isso por três razões:

1. Em razão daquilo que este sacramento contém: ou seja, o próprio

Cristo. No momento de deixar os discípulos em sua própria figura, Ele

permanece com eles sob a forma sacramental, assim como, na ausência do

imperador, exibe-se a sua imagem. Daí o dizer Eusébio: "Como o corpo que

assumira havia de ser retirado da nossa visão corporal e elevado ao céu, era

preciso que, na Ultima Ceia, Ele consagrasse para nós o sacramento de seu

corpo e de seu sangue, afim de que pudéssemos continuar a adorar no mistério

o que uma vez ofereceu para nosso resgate".

2. Pois, sem a fé na Paixão, não pode haver salvação. Era pois preciso que

sempre houvesse entre os homens algum sinal que representasse a Paixão do

Senhor, que, na antiga lei, era principalmente representada pelo Cordeiro

Pascal. No Novo Testamento, o Cordeiro pascal foi sucedido pelo

sacramento da Eucaristia, que é um memorial da Paixão realizada no

passado; assim como o Cordeiro era figurativo da Paixão que ocorreria no

futuro. Era portanto conveniente que, nas vésperas da Paixão, após ter

celebrado o sacramento anterior, fosse instituído o novo.

3. Pois, quando os amigos se separam, suas últimas palavras são

guardadas com mais zelo pela lembrança. Sobretudo, porque o sentimento

de afeição por eles é então mais ardente; e as coisas que mais nos tocam mais

profundamente se imprimem na alma. Ora, entre os sacrifícios, nenhum

poderia ser maior que o do corpo e sangue de Nosso Senhor, e nenhum dom

poderia ser maior que este; por isso, para que fosse tido com maior estima, o

Senhor instituiu este sacramento no momento de deixar seus discípulos. Por

isso disse Agostinho: o Salvador, para recomendar com maior veemência a

grandeza deste mistério, quis imprimi-lo por último nos corações e na

memória dos seus discípulos, os quais havia de deixar na sua Paixão.

Devemos notar que este sacramento possui uma tripla significação:

1. Quanto ao passado, enquanto é comemorativo da Paixão do Senhor, que

foi um verdadeiro sacrifício, este sacramento é chamado sacrifício.

2. Quanto ao presente, i. é, à unidade da Igreja, e para que os homens se

congreguem por este sacramento, é ele chamado comunhão. São João

Damasceno diz que o chamamos comunhão posto que, por ele,

comungamos com Cristo, participamos da sua carne e divindade e, por Ele,

comungamos e nos unimos uns aos outros.

3. Quanto ao futuro, enquanto prefigura o gozo de Deus que existirá na

pátria, este sacramento é chamado viático, posto que nos apresenta o

caminho para lá chegarmos. Sob este aspecto, também é chamado

Eucaristia, que quer dizer "boa graça", pois a graça de Deus é a vida eterna;

ou porque contém realmente o Cristo que é a mesma plenitude da graça. Em

grego, é chamado metalipsis, i. é, consumição, pois por ele tomamos a

divindade do Filho de Deus.


De Humanitate Christi

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)