quarta-feira, 15 de julho de 2009

A simbologia do traje de Romeiro

Artigo publicado no jornal "A União" de hoje.

"Depois de três anos de romarias pelos caminhos desta Ilha Terceira (após um longo interregno nas mesmas), ainda constato que muito boa gente nos vê como pessoas um pouco diferentes, não seria exagero se dissesse que nos vêm como pessoas malucas, não só por “andarmos de madrugada até ao fim do dia sempre a rezar” como principalmente “pela maneira ridícula” de nos vestirmos. Quanto a isso, e no meio de um terço cantado, ainda ouço alguém dizer:
-Olha, levam um xaile e um lenço como a minha avó usava (risos), ou,
- Olha aqueles ali, parecem uns camelos com uma bossa nas costas (risos) ou ainda,
- De bordão na mão deviam era ir trabalhar nas vacas (risos).

Poderia ainda enumerar mais alguns apelidos ou imagens cheias de imaginação com que somos conotados, no entanto, esta minha opinião não é para julgar aqueles que não sabem o porquê desse mesmo traje, mas sim para elucida-los (para além dos muitos anónimos que nos estimam, acarinham e nos pedem orações) sobre o significado simbólico que está patente para além da roupa, que nos reporta na sua totalidade à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual seguimos humildemente a Sua Cruz durante os dias de romaria, em penitência dos pecados pessoais, dos nossos familiares, dos que nos pedem e dos de todo o mundo.

Quando apareceram os primeiros ranchos de romeiros há séculos atrás, o traje que usavam teve a sua origem nas necessidades puramente físicas do romeiro em peregrinação pela Ilha. O bordão servia para o apoio em caminhos inóspitos e acidentados. O xaile e o lenço para os proteger do frio e das intempéries que se faziam sentir, principalmente nas madrugadas, no entanto, no tempo quaresmal, dada a estação do ano, por vezes esse frio e chuva fazia-se sentir durante todo o dia. O lenço também servia, nos dias quentes e solarengos para proteger as cabeças do sol abrasador que por vezes se faz sentir. Quanto à saca ou cevadeira, servia para transportar alguns alimentos para os dias de romaria assim como alguma muda de roupa. Para além disso levavam dois terços, sendo um ao pescoço e outro na mão oposta ao do bordão. Ontem como hoje, este trajar manteve-se inalterado, salvo pequenas adaptações á realidade dos nossos dias.

Com o decorrer dos tempos, ainda que não se consiga precisar quando, esta maneira peculiar de trajar, passou a ter um significado místico-religiosa. Cada uma dessas peças passou a ter um simbolismo dentro da Paixão de Cristo, a saber:
- O bordão relembra-nos o ceptro entregue a Nosso Senhor Jesus Cristo pelos romanos aquando do Seu julgamento por Pôncio Pilatos (quando lhes mostrou Jesus Cristo coroado de espinhos, com uma cana verde nas mãos a servir-lhe de ceptro);
- O xaile simboliza a túnica de Jesus Cristo (São João 19 1Então, Pilatos mandou levar Jesus e flagelá-lo. 2Depois, os soldados entrelaçaram uma coroa de espinhos, cravaram-lha na cabeça e cobriram-no com um manto de púrpura; 3*e, aproximando-se dele, diziam-lhe: «Salve! Ó Rei dos judeus!» E davam-lhe bofetadas.”);
- O lenço simboliza a coroa de espinhos, usada por Jesus Cristo (São João 19 5Então, saiu Jesus com a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Disse-lhes Pilatos: «Eis o Homem!»);
- A saca ou cevadeira simboliza a cruz de madeira, carregada por Cristo até ao Calvário (São João 19 17Jesus, levando a cruz às costas, saiu para o chamado Lugar da Caveira, que em hebraico se diz Gólgota, 18onde o crucificaram, e com Ele outros dois, um de cada lado, ficando Jesus no meio. 19*Pilatos redigiu um letreiro e mandou pô-lo sobre a cruz. Dizia: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.»);
- O terço do rosário simboliza a união entre os membros do rancho de romeiros e é utilizado para a oração no decurso da romaria (O terço é cantado e rezado com concentração, força e devoção. Rezar é uma forma de mostrar louvor a Deus. É uma acto de fé).

Termino desejando que com estes esclarecimentos, nos anos vindouros, quem nos vê como pessoas um pouco diferentes, já nos veja com outro olhar, neste culto predominantemente Mariano e que (quem sabe) se junte a nós numa próxima Quaresma, trajando toda esta carga simbólica em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua Mãe Maria Santíssima."

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Romeiro e o mistério das romarias

Artigo publicado no passado dia 1 do corrente no jornal "A União"


O que levará um punhado de homens a abdicarem do conforto caseiro pelas adversidades do tempo no dia a dia?
O que levará homens de barba rija a trajarem roupas de aspecto antigo e a beirar quase o ridículo, segundo os padrões dos nossos dias?
O que levará uma mão cheia de homens a levantarem-se pela madrugada, caminharem até ao entardecer e durante vários dias consecutivos?
O que levará estes degredados filhos de Eva a pararem, cantarem e rezarem, quer chova ou faça sol em todas as casas de Nossa Senhora da ilha onde caminham?
O que levará estes filhos de Deus a passarem pelos dedos contas do terço ininterruptamente?

Sinceramente, deve ser algo quase transcendente, sem ser milagroso.
Sinceramente, deve ser alguma coisa que, em vez de os cansarem a cada passada que dão, ajuda-os a caminhar o dobro.
Sinceramente, deve haver algo mais que o meramente visível e palpável para eles abdicarem de tudo e de todos, e entrarem num retiro tão peculiar como este que é passado ao ar livre.
Sinceramente, deve ser uma experiência fabulosa e gratificante para, ano após ano, voltarem à estrada com um sorriso nos lábios e um brilho especial nos olhos.

Definitivamente a Sagrada Família caminha lado a lado com eles.
Definitivamente o Divino Espírito Santo ilumina-os.
Definitivamente Deus Nosso Senhor está especialmente com eles.

Posto isto, estas interrogações, afirmações e divagações, chego à conclusão (ousada por certo) que os Romeiros, são uma devoção Mariana, impregnados do aroma das brumas que cobrem as ilhas.
Posto isto, estas interrogações, afirmações e divagações, chego à conclusão (ousada por certo) que a Irmandade dos Romeiros, foi talhada no tempo e no espaço do basalto rude e negro de que é constituído o arquipélago para um propósito superior.

Por último, o mistério das romarias e dos homens que as fazem, reside no simples facto de que, por imensos oceanos que se escrevam sobre o assunto (como este), são apenas pequenas gotas de orvalho matinal, contrastando com o mar aberto e profundo das emoções sentidas e vividas por cada romeiro.