sexta-feira, 23 de julho de 2010

Resgatando a antiga Ermida de S. Sebastião de Angra do Heroísmo

"No Livro VI das Saudades da Terra, já Frutuoso dava conta desta Ermida de São Sebastião. Também Ioannes Hugonius Linfchoten 1595 a desenhara naquela que até aos dias de hoje é a cartografia mais explicativa da vila medieval/ depois cidade de Angra que o fora.

Conforme se poderá observar em leitura atenta da carta de Linfchoten tinha um amplo adro e à sua frente um chafariz. Pe. António Cordeiro deixa-nos como informação: ”uma nobre, e grande Ermida de Santo, que está indo de S. Francisco, era Ermida do Senado da Câmara...tinha a frente voltada para sul e estava à beira da rua”- do Cruzeiro. A sua construção poderá remontar ao segundo cartel de 1500 (1550), como sustenta o cronista, mas o que podemos dar como certo, é que hoje ela já não existe, deu lugar à Praça Dr. Sousa Júnior, antes Praça Eng.º Arantes de Oliveira, tinha sido Cadeia, e também Recolhimento/Mosteiro das Freiras Capuchas – viviam em clausura religiosa Confessas descalças da 1.ª Regra de Santa Clara.
A grave epidemia de peste que sucedeu nesta Ilha no ano de 1599 ceifando muitas vidas (7000 mil – assim contam os registos). A Câmara então reunida, no dia 20 de Janeiro de 1600, estando presentes a nobreza, clero e o povo, foram em Romaria até São Bento junto da pequena capela que ali havia sido erigida pelos Freis Pedro dos Santos e Jorge de Saphara - esta capela é anterior á de São Roque. Regressada a Romaria e passando junto à Ermida de São Sebastião, foi celebrada missa pelo frei Jorge Saphara, tendo-se depois organizado uma procissão pelas ruas principais da cidade, momento que serviu para a Câmara fazer voto de realizar uma festa todos os anos na Ermida em louvor a São Sebastião pela graça alcançada, uma vez que a epidemia havia cessado. A Ermida fora depois demolida, tendo a imagem sido transferida para a Igreja da Conceição, onde se encontra. Estas festividades, com a entrada da República, viriam a ser suspensas, sendo reatada em 1957. Na nossa contemporaneidade estão à muito esquecidas… [!]


Descrição: Imagem de S. Sebastião: desnudado, com uma mão e pé atados a tronco atrás das costas, trespassado com 8 flechas. Advogado contra a peste. Madeira pintada com resplendor de prata. Século XVI/XVII - Mestres da Sé.
A Escultura, existente neste altar, está colocada num nicho ladeado por 2 colunas Salomónicas em madeira esculpida e coberta com folha de ouro [talha dourada], com decoração vegetalista. O fuste canelado e seus capitéis coríntios, bem como o arco, são todos eles revestidos com desenhos de folha de acanto. O fundo do nicho tem entablamento de madeira e está forrado a tecido vermelho com gola brilhante. Todo o Altar é em talha à excepção de parte do mesão.

Dimensões: 80 cm de altura.
Escultura: Originária do Convento das Capuchas – Ermida de São Sebastião
Localização actual: 2ª. Capela do lado do Evangelho - Igreja e Santuário de Nossa Senhora da Conceição – A.H. "


Artigo da autoria do irmão Victor Cardoso

quarta-feira, 21 de julho de 2010

RESTAURADAS AS ROMARIAS NA ILHA TERCEIRA

“O Mundo só pode ser
Melhor do que até aqui,
Quando consigas fazer
Mais p´los outros que por ti”

O poema é de António Aleixo e fora citado sem nenhum engulho pelo Rodrigo, um jovem que arribara a esta ilha vindo da Graciosa com outros irmãos romeiros para participar nesta terra ilha de Jesus Cristo – designação como fora chamada pelos primeiros avista dores e povoadores da Terceira, na IV Romaria, depois de à quatro anos ter sido restaurada essa tradição, e em boa hora na ilha. Gaspar Frutuoso primeiro cronista destes rochedos atlânticos na sua discrição sobre a ilha Terceira – nas Saudades da Terra; Frei Diogo das Chagas – em Espelho Cristalino; Pe. António Cordeiro – na Historia Insulana das Ilhas; Alfredo da Silva Sampaio – nas suas Memórias sobre a Ilha Terceira e mais tarde amplificada e mais tratada por Francisco Ferreira Drumond nos seus Anais, registaram desde sedo as Romarias. Elas sucediam nesta terra, tendo sempre como forte presença na fundamentação, as epidemias, os fogos, os tremores de terra vindos das entranhas da ilha ou ditada pela força das águas - enchurradas, que colocavam as gentes que as habitavam em momentos de grande aflição, levando-os assim a pedir e formular votos de clemência ao criador para que os livrassem de tais sucedidos. O tempo, passa, mas embora decorridos já 5 séculos, continuamos a registar âncoras dessa nossa açorianidade, que nos remetem para uma identidade que nos é muito própria. Nessas leituras, encontra-mos sempre um denominador comum, numa relação directa e justa entre a fé que o povo cultiva e o seu agradecimento, muitas vezes traduzido em obra física ou seja, na dinâmica operada pela edificação empreendidas das Ermidas, que ao redor da Ilha (s) que foram sucedendo com naturalidade, modos, que são, por si só, sinónimo da devoção a Deus - o criador, através dos seus oragos de peito, numa relação que podemos dizer quase umbilical.




Os primeiros registos de romarias na Terceira, ocorrem juntos às Ermidas ou aos pequenos nichos construídos para ali colocar a imagem encontrada: São Roque (São Bento), que poderá ser [opinamos], seguramente um dos locais onde se terá realizado das primeiras romagens – tinha Casa de Romeiros. Senhora da Esperança (Porto Judeu); Santo Amaro (Ribeirinha); Senhora da Ajuda (Santa Bárbara); Santinha do Mato (Cinco Picos); Nossa Senhora de Guadalupe (Agualva) e Nossa Senhora dos Milagres (Serreta), estas 3 ultimas tinham também sua Casa de Romeiros – mantendo-se apenas hoje com a mesma configuração a existente em Santa Bárbara – Senhora da Ajuda.
Tal como refere o Pe. Alfredo Lucas – em As Ermidas da Ilha Terceira: “ Assim, existiam casa dos romeiros junto das ermidas de S. Roque, em Angra, Nossa Senhora da Esperança, no Porto Judeu, Nossa Senhora dos Remédios, na freguesia das Lajes, e parece que junto da ermida da S. Vicente Ferreira, em S. Mateus. Lembramos ainda que outra casa dos romeiros existiu no lugar da ermida da Santinha do Mato, nos Cinco Picos, devendo referir-se que todos eram de pequenas dimensões, exceptuando a das Lajes.”


Uma nota, deve agora merecer ser dada, sobre o enquadramento do Património Cultural Imaterial. Foi criada esta distinção em 1997 pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com o objectivo de proteger, reconhecendo os valores, tradições culturais e crenças de um Povo, também adoptando a designação de Património Cultural Intangível da humanidade (Heranças que não podem ser desvirtuadas, logo tocadas - intangível, porque se sente com o coração e se perpetua num gesto de fé e respeito ao passado) - as Romarias através dos seus ranchos de romeiros têm pleno enquadramento nessa avaliação, porque todo seu ritual organizacional fundamenta essa distinção nesse enquadramento.
As Romarias nos Açores existiram sempre por todas as Ilhas se bem que tenha sido na Ilha de São Miguel que conseguiram mantê-las praticamente sempre ininterruptamente. Na ilha Graciosa também recuperada tradição já com 11 anos a essa parte e nesta ilha Terceira, à 4 anos restauradas e resgatadas, com um cunho presencial muito particular, uma vez que a ligação quase directa, embora autónoma à Igreja, na presença de um diácono ou sacerdote, veio dar-lhe uma estrutura muito própria e consistente, singular mesmo, pela partilha que ocorre nos momentos de reflexão às temáticas diárias. Sem duvidas, que este contexto foi fundamental na sua relação com as populações, que tem vindo em crescendo – daí podermos afirmar estar-se na presença de um bom fermento para as gerações futuras, tão necessitada que está a contemporânea, de referências aos valores de Deus e da Família – queremos (querem-se) cristãos pobres em espirito porque ricos em caridade.

Terminamos esta abordagem e porque em tempo de quaresma [a ela nos referimos], para nos devermos centrar na missão dos valores cristãos, na Páscoa e naquilo que ela representa e deve significar para uma humanidade - sem rumo. Nos deve merecer, assim o respeito, também aos menos crentes [aos laicos], recordando que à mais de 2000 anos [2010], um Homem, percorreu o doloroso caminho da via-sacra e que até hoje, não consta relatos de outro paralelo [não foi ficção!].
As Romarias são pois, uma realidade fulcral, esse impulso para o real e na força da mensagem: tornar a reunir a reagrupando e dar a esperança, num mundo demasiado distante… O pedido, a reza e o sacrifício, no gesto simples e sério, sem pudor, porque de modo assumido, para partilhar os caminhos da fé e da solidariedade solene a Cristo - O filho do Homem, que no vigor da sua idade, fora abruptamente flamejado, cobardemente e selvaticamente crucificado, sofrendo momentos dolorosos até à morte na cruz e que só alguém diferente poderia resistir.

Por vezes somos de memória curta, interessa-nos mais a riqueza em espírito, nos preocupamos com a nossa ostentação dos valores materiais e só nos lembramos [usa dizer-se], de Santa Bárbara quando sentimos trovões. O mesmo se poderá dizer nos tempos que correm, que andamos meio arredios, esquecidos, não damos valor nem nos apetece recordar o que os nossos antepassados viveram – suas dificuldades, quando as ilhas eram acometidas de epidemias fogos e forças telúricas. Nos dias que correm todos os dias entram-nos portas a dentro, notícias de calamidades e tragédias, pelo que devemos saber estar preparados para as viver, porque são reais – não estamos imunes, porque as vividas e sentidas no passado podem voltar a qualquer momento… [!].

E porque falámos da Páscoa, recordemos também restaurando e jogando de novo ao Balamento e que o seja já em 2011, com os nossos filhos, ainda vai a tempo… “temos tempo…” como usa dizer o irmão Isaías! Uma tradição sem maldade, onde o espirito convergente e de partilha familiar é denominador comum. – Eu lembro-me, jogava-o também com meus pais e irmãs - [Este ano voltei a joga-lo com a minha filha mais nova !].
Uma Santa Páscoa, é do coração, o que mais vos posso desejar, que tenha sido vivida efectivamente por todos quantos leiam esta nota nesta quadra, já em pleno estio – o Verão vai já a meio, por isso boas férias, muita saúde e que Deus e Nossa Mãe Maria Santíssima esteja e fique em nossa companhia [!].

“Quando em mim penso com calma
E me compreendo melhor
Bem merecia que a minha alma
Tivesse um corpo maior”
António Aleixo"
Artigo publicado no Jornal "A União" da autoria do irmão Victor Cardoso

terça-feira, 6 de julho de 2010

NÃO VALEMOS MAIS QUE UM PARDAL?

"Á cerca de três para quatro anos compreendi porque Nossa Senhora recomendou aos três pastorinhos de Fátima que recitassem o rosário todos os dias sem desfalecimentos, sem hesitações e sem desculpas. Até aquela altura tinha muita dificuldade de o fazer porque me distraia e dispersava, enfim comportamentos semelhantes a tantos irmãos nossos. Nossa Senhora não iria pedir algo que não fosse importante para nós, e em que medida e profundidade?
NOSSO SENHOR NOSSO PAI é uma “pessoa” de um amor infinito, não tem explicação, nada existe abaixo do Sol capaz de medir o amor que Ele nutre por nós, e por muito que o reconheçamos fazemos só uma pequena ideia e, quando essa ideia é perceptível que alegria nos causa e que ressonâncias provocam no nosso coração, só quem já sentiu o poderá testemunhar.

“Certo dia o SENHOR chamou o Anjo Gabriel e disse-lhe:
· Gabriel, vai a casa de Maria a Nazaré e diz-lhe que Ela achou graça ao meu coração e, que é no seu ventre sagrado que irá nascer o Meu Filho muito amado.
O Anjo Gabriel foi transmitir a Sagrada mensagem do SENHOR.”

Ora quando medito nesta passagem, e digo esta parte da Avé Maria estou a repetir as palavras do Anjo Gabriel, como se o Senhor me houvesse chamado e incumbido da mesma tarefa.
Eu, pecador confesso sou porta-voz do Senhor no anúncio do nascimento de Jesus. Os Irmãos já pensaram nisso? Parem e meditem no profundo conteúdo das palavras e do seu transcendente significado.

O Romeiro é um homem de oração, (é o que as pessoas pensam umas para as outras sempre que nos vêem passar pelos caminhos da nossa Ilha) assumindo o Rosário como sua oração principal e fazem-no publicamente a plenos pulmões sem qualquer vestígio de respeito humano. E nos outros 360 dias que compõem o ano qual é a relação que temos com o Rosário, continuamos a recitá-lo diariamente embalados pelas muitas graças recebidas na romaria ou arrumamo-lo distraidamente?
Depois da descoberta feita há um par de anos com o significado daquelas palavras não vejo nem a hora nem o momento para o recitá-las porque quero sentir a ressonância das palavras que o Senhor me faz sentir com o anúncio a Maria.

E o Senhor pacientemente espera a nossa oração, o nosso encontro, valemos muito para Ele, somos de uma importância inimaginável.

Olhem os pássaros que esvoaçam despreocupadamente pelos ares, esses passarinhos não são como nós.
Para comermos um pedaço de pão, necessitamos de semear, ceifar, debulhar… Os pássaros não semeiam, não ceifam nem debulham, e no entanto nenhum deles morre de fome, quem os alimenta? O Pai os alimenta todos os dias. Quanto acham que vale um passarinho desses no mercado? Dois euros.
Agora se o PAI se preocupa em alimentar diariamente os pássaros que esvoaçam à nossa beira, já pensaram os Irmãos o que não fará por nós homens de pouca fé. Não valemos mais que um pardal?"

Um excelente artigo escrito pelo nosso irmão J. Dinis

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O romeiro é um homem que contempla-O caminhando

"O romeiro é um homem que caminhando segue as palavras de Cristo “Pega na tua cruz e segue-Me!” e, especialmente nos dias de aparição publica carrega, não só a sua cruz como também aquelas que lhe vão entregando na romaria. Carrega-as, não como um peso excessivo ou um fardo difícil de carregar, mas sim como alguém que segue Cristo, como alguém que abdica de si mesmo em prol dos outros. Mas o romeiro é também um homem contemplativo, seja nas orações, meditações ou nos momentos de descanso físico.
Como é belo e gratificante segui-Lo, através do mistério da paixão, morte e ressurreição traduzido na Via-sacra. Ano após ano, a Via-sacra é sempre a mesma, no entanto, ano após ano nenhuma é igual à anterior. Ano após ano, o caminho é sempre o mesmo, no entanto, ano após ano nunca é o mesmo. Fisicamente, ano após ano vamos envelhecendo, no entanto, espiritualmente, ano após ano vamos amadurecendo o caminhar em direcção á graça de Deus.
Atrevo-me a dizer que nestas ilhas de bruma, no meio do azul que nos rodeia, os romeiros são quase como uma espécie de Cavaleiros Templários de outros tempos. Não naquilo que levou à sua extinção, mas sim naquilo que os aproximou do Criador, como por exemplo, a sua divisa que foi extraída do livro dos Salmos: "Non nobis Domine, non nobis, sed nomine Tuo ad gloriam" (Sl. 115,1) que significa " Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade", onde estão patentes os ensinamos das Sagradas Escrituras sobre a humildade “Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará." (Tiago 4:10), entre outras passagens bíblicas. Como é gratificante sentirmos que sem Ele nada somos, que sem o Seu apoio nada conseguimos e que sem Ele inserido nas nossas vidas não passaríamos de meras marionetas ou escravos nas mãos dos prazeres mundanos.
Caminhamos contemplando-O assim como todas as suas obras, mesmo aquelas que apenas a alma se apercebe. Contemplamo-Lo caminhando nas contas do terço e quando rezamos com docilidade, algures (neste mundo ou no outro) acontece um milagre. É nesta docilidade que reside o mistério da ligação do homem com Deus, isto é, não é na quantidade de terços ou rosários que fazem com que o homem esteja mais perto da salvação divina. Não é no recitar ave-marias e pais-nosso como quem quer entrar no livro dos recordes, mas é na sua qualidade, ou seja, nessa docilidade perante Deus. Inúmeras vezes, quanto mais queremos ser humildes perante o Salvador, mais soberbos nos tornam ao ponto de pensarmos que determinada situação aconteceu por causa dos nossos actos ou orações diárias, quando na realidade (e muito possivelmente) bastou o murmúrio da oração por parte de uma criança, mas com sinceridade, docilidade, devoção e muito sentida, para louvar e agradar a Deus.
O romeiro é apenas e tão só um homem que caminha seguindo a Cruz que o precede, lado a lado com a Sagrada Família, contemplando em todos os locais de culto a Sua e Nossa Mãe Maria Santíssima."
Artigo publicado no Jornal "A União" no dia 28 do mês findo.