segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Romeiro - Um homem peregrino, um “homo viator”

"Há alguns dias atrás, por sinal numa missa de 7º dia, e na sequência do evangelho do dia, o sacerdote no seu sermão proferiu que “todos nós somos homo viator, homens peregrinos”. Infelizmente e apesar de ter sido um dia onde se recordou alguém que deixou saudades nos seus entes queridos foi também, para mim, o (re) nascer de uma ideia sobre o nosso papel como cristãos neste mundo. Na verdade, tenho que acreditar que, a morte humana, tal como a que foi ali recordada, é apenas a passagem para uma outra viva melhor e perfeita, como Deus O é. Como crente, também tenho que acreditar que essa passagem é semelhante à passagem do mundo existente no útero materno para este mundo, apenas isso e nada mais.

A continuação do sermão proferida pelo sacerdote, ainda que importante e essencial, foi diminuindo na minha mente e o Homo viator levou-me a viajar pelas peregrinações desta ilha, pelos caminhos percorridos por todos nós, romeiros do infinito. Levou-me ainda a recordar os entardeceres chuvosos ou as madrugadas geladas, e as contas dos terços de cada romeiro passarem por entre os dedos insensíveis ao frio mas sensíveis à Sua e nossa Mãe. Mas devemos ver o caminhar mais como um peregrinar, não como sinónimo de apenas andar mas sim, mais do que isso ou para além disso, o peregrinar tem que ter inclusa a dimensão da fé, sem isso é apenas caminhar. Peregrinar tem um sentido motivador e uma riqueza pessoal e religiosa que é necessário (re) descobrir. Descobrir a verdade todos os dias das nossas vidas, até àquele dia em que a luz de Deus seja a verdade definitiva (se formos dignos dessa graça Divina), deveria ser a tarefa de qualquer peregrino (romeiro ou não), ou pelo menos tentar constantemente.
Deste meu ponto de vista, o romeiro tem mais uma quota-parte de responsabilidade. Peregrinos, todos são (conscientes desse facto ou não), mas o romeiro, em certa medida, representa uma (entre muitas) tentativa de transcendência da imagem de Deus, de descobrir dentro de si a harmonia com Ele, nos caminhos que percorre com o terço na mão. Representa ainda segui-lO, não só atrás da Cruz em alas, mas também o palmilhar a Sua vida, paixão, morte e ressurreição, na sua essência.

“O Homem na sua vida é, definitivamente, um peregrino: um ser em busca de si mesmo, da sua própria identidade e da transcendência (Homo viator). É por isso que a peregrinação aporta o carácter simbólico de plasmar visivelmente o caminho que se recorre interiormente. O que constitui a alguém em peregrino? É a intencionalidade que tem o que realiza a peregrinação com fé; a isto há que juntar-se o cumprimento das condições e o significado que lhe atribui a Igreja.
Os santos, que são o modelo dos crentes, concebem o tempo da vida como uma passagem, a Bíblia utiliza expressões como as de um povo nómada, que hoje coloca a sua tenda aqui e amanhã noutra parte. Santa Teresa de Jesus escrevia que a vida é ”como uma noite em uma má pousada”.
Em resumo, o tempo da nossa vida é como uma peregrinação que tem um ponto de partida, um caminho que recorrer e uma meta a que devemos chegar: somos ”homo viator””.

Todos nós somos (romeiros ou não), homens peregrinos, ainda que, por vezes, nos venha à ideia que ficaremos aqui para sempre. Todos nós temos uma missão a cumprir e da qual teremos que prestar contas Àquele que nos enviou e para O qual retomaremos um dia. Nós viemos porque Ele quis, mas não podemos ficar. Cada um de nós está definitivamente comprometido com a Vida eterna. Cada um de nós deve ansiar por ela, cada um de nós deve peregrinar para ela.
O romeiro não é alguém diferente do outro, mas sim, é alguém que, pelo menos visivelmente na Quaresma, cria uma ruptura com a sociedade complexa e condicionante em que vive e parte para o deserto, como Abraão e Jesus Cristo fizeram. A travessia deste deserto, quase sempre mais interior do que exterior, é um andar às apalpadelas mas, andando na companhia do Senhor, Ele vai-nos abrindo o caminho porque “Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.”
Como anseio por mais uma romaria, mais um caminhar no deserto e mais um encontro (ainda que por breves segundos) com Ele no silêncio da oração. Por vezes a minha imaginação chega ao ponto de pensar que a romaria é um misto eterno de caminho de Emaús e nascimento de Jesus. No primeiro, Cristo além de ir connosco à frente nas mãos de uma criança, vai lado a lado com cada um de nós e vai-Nos explicando as Escrituras ao passo das contas do terço, ao passo dos passos percorridos. No segundo, Jesus mostra-nos a humildade e a simplicidade que deveríamos assumir, vindo ao mundo como veio e no local e condições como nasceu. Imagino o romeiro como caminheiro de Emaús e Mago ao mesmo tempo. “Discípulo de Emaús em São Lucas e Mago em São Mateus. Ambos caminham sem saberem ao certo para onde vão. Uns tristes, outros animados. Ambos guiados, uns pela estrela, outros por um viajante desconhecido. O destino é o mesmo: reconhecer o salvador.”

Um dia, também nós partiremos para prestar contas. Também nós deixaremos, certamente, saudades nos nossos entes queridos, no entanto, tal como a pessoa que referi no início, por certo, também nós poderemos humildemente e de joelhos prostrados no chão dizer-Lhe que fizemos o nosso melhor ou que, pelo menos tentámos, dentro das nossas imperfeições e defeitos. "


Um irmão romeiro, como os demais

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