quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

1. Quarta-feira de cinzas: A morte


 «Por um homem entrou o pecado neste mundo e, pelo pecado, a morte» (Rm 5,

12)


1. Se alguém, por culpa sua, foi privado de algum benefício, que lhe fora dado, a

 privação desse benefício será a pena da culpa cometida. Ora, o

 homem, desde o primeiro instante da sua criação, recebeu de Deus o

benefício de, enquanto tivesse o seu espírito sujeito a Deus, ter sujeitas à

alma racional as potências inferiores dela, e o corpo, à alma. Ora, tendo o

espírito do homem repelido, pelo pecado original, a sujeição divina, daí

resultou que as potências inferiores já não se sujeitaram totalmente à

razão,donde procedeu a tão grande rebelião dos apetites carnais contra

ela, nem já o corpo se subordinou totalmente à alma, donde resultou a

morte e as outras deficiências corporais. Ora, a vida e a saúde do corpo

consiste em sujeitar-se à alma, como o perfectível, à sua perfeição. Por onde

e ao contrário, a morte, a doença e todas as misérias do corpo resultam da

falta de sujeição do corpo à alma. Donde, é claro que, assim como a

rebelião do apetite carnal contra o espírito é a pena do pecado dos nossos

primeiros pais, assim também o é a morte e todas as misérias do corpo.

2. A alma racional é, por essência, imortal. Por onde, a morte não é

natural ao homem quanto à sua alma. Quanto ao corpo do homem, uma

vez que é composto de elementos opostos, dele se segue necessariamente a

corruptibilidade. E, quanto a isso, a morte é natural ao homem. Ora, Deus,

criador do homem, é onipotente. Por isso, por benefício seu, livrou o

homem, desde o primeiro instante da sua criação, da necessidade de morrer,

resultante da matéria que o constituía. Ora, esse benefício perderam-no pelo

pecado os nossos primeiros pais. E assim, a morte é natural pela condição

da matéria; e é penal pela perda do benefício divino, que dela preservava.

IIa IIae, q. CLXIV, a. 1

3. A culpa original e a atual são removidas por Cristo, isto é, por aquele

mesmo por quem se removem as misérias corpóreas, conforme aquilo do

Apóstolo: «dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito, que habita

em vós». Mas, uma e outra coisa se realizarão em tempo oportuno, segundo

a ordem da divina sabedoria. Pois, havemos de chegar à imortalidade e à

impassibilidade da glória, começada em Cristo, que no-la adquiriu, depois

de lhe termos, durante a vida, participado dos sofrimentos. Por isso, é

necessário que, conformes com Cristo, a sua passibilidade perdure nos

nossos corpos, para merecermos a impassibilidade da glória.

Ia IIae, q. LXXXV, a. V, ad 2um.

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

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