quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sabes realmente onde estás?


“Uma epidemia de peste alguns séculos atrás... Os bois puxam as carroças cheias de cadáveres ainda quentes em direção às valas cheias de cale viva. Já não há ninguém para benzer os mortos desde a morte do padre da paróquia que visitava os doentes. Veja mais...
O jovem malabarista da aldeia começa a temer pela sua vida. O que será da sua mulher e do seu filho pequeno se também ele apanhar a peste? Resolve começar a rezar.
Esgueira-se para dentro da igreja que só costuma frequentar na Páscoa, como obrigam os mandamentos. Ajoelha-se diante do altar; mas, como rezar? O que é que pode dizer ao Deus todo-poderoso, esse juiz austero?
Então, para em frente duma estátua de Nossa Senhora e tenta recitar uma Avé Maria, mas a última vez que o fez foi há muito tempo. As palavras da curta oração escapam-lhe, já para não falar das lengalengas da sua infância.
"Vou rezar com as minhas próprias palavras", diz o pequeno malabarista a si próprio. "Vou falar com a Virgem Maria com o coração. Também ela vivia numa aldeia." Mas o jovem malabarista não tem jeito para as frases bonitas que gostaria de dizer. Está mais habituado a assobiar às raparigas e a dizer palavrões. Fica mudo.
De repente, resolve: "Vou fazer aquilo que sei fazer melhor. Vou fazer malabarismos para Ela!" Tira as bolas do saco e começa a fazer malabarismos, ali mesmo, na capela Mariana, vazia. Primeiro devagar, depois mais rápido, uma, duas, três bolas que lança cada vez mais alto, até ter cinco, seis, sete bolas nos ares, que dançam como os planetas nas nuvens intergaláxicas, tal como as luas de Júpiter.
De repente, surge o sacristão sem aviso, grosseiro e com a cara corada. Enterra a vassoura que traz na mão na barriga do malabarista e exclama: "Sabes onde estás, imbecil?! Sabes, não?! Mas a estátua de Nossa Senhora descontrai e sorri e depois ri às gargalhadas. E do seu pedestal, inclina-se para o pequeno malabarista e limpa o suor da sua testa com a palma da sua mão.”[1]
Este pequeno artigo no sítio em referência fez-me recordar a Celebração Eucarística seguida da procissão de velas ocorrida no passado dia 12 de maio.
A casa de nossa senhora estava cheia, a celebração em si foi fenomenal, mesmo com a chuva que teimava em cair abundantemente lá fora, na rua e o sermão proferido pelo Padre Dolores soberbo e apelativo à leitura do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem[2].
A imagem de nossa senhora em cima do seu andor estava com a simplicidade e humildade previstas, como ela o foi, como ela o é. A procissão estava preparada, os escuteiros iam entregando as velas nos recipientes improvisados para a cera não queimar as mãos. Atendendo ao tempo que tinha ocorrido durante a noite e ao que estava no momento, a procissão iria ser especial e peculiar.
Especial por ter ocorrido entre as quatro paredes do santuário, onde os cânticos marianos criaram uma ressonância própria, melodiosa e relaxante. Onde os cânticos marianos roçaram ligeiramente o céu e alegraram os anjos que ali estavam presentes.
Peculiar porque no meio de tantos devotos de Maria apenas uma pessoa[3] acenava-lhe com um lenço branco e com algumas gotas de água pura no canto do olho, vivia a presença da rainha dos céus e da terra. Admito que na altura achei uma tolice, por ser a pessoa que era, mas após ter lido o texto referido no primeiro parágrafo, senti que tinha agido quase como o sacristão, e afinal a pessoa em questão apenas tinha feito aquilo que sabia fazer melhor. Se calhar talvez fosse o único que sabia realmente onde estava e a ele Nossa Senhora descontraiu e sorriu-lhe.
Paulo Roldão
(um irmão romeiro, como os demais)



[1] Transcrição de http://www.lugarsagrado.com/ datado de 27 de junho de 2012
[2] O mesmo poderá ser descarregado em http://abcdacatequese.com/partilha/partilha-de-recursos/doc_details/2011-tratado-da-verdadeira-devocao-a-santissima-virgem-de-sao-luis-maria-de-montfort
[3] São Mateus 19,14


1 comentário:

joaquim disse...

Gostei muito e a história do malabarista é enternecedora.

Um abraço amigo em Cristo