segunda-feira, 23 de março de 2020

A Sagrada Família no meio da romaria


Para aqueles irmãos que já saem em romaria, pelo menos há dois anos, é costume dizermos que o caminho é o mesmo, as igrejas as mesmas, no entanto, também dizemos que nenhuma romaria é igual.
Na verdade, seja pelo estado do tempo (que nunca é o mesmo), o estado de espírito dos irmãos ou outras situações, nunca ocorrem duas romarias iguais, graças a Deus.
Ao princípio estranha-se, depois entranha-se até às profundezas da alma e não mais queremos deixar de participar neste retiro especial e particular, ano após ano, enquanto Deus Nosso Senhor nos permitir.
A vida é a mesma, mas de romaria em romaria, tornam-se vidas diferentes, para melhor e mais profundas, para uma maior santidade, humanamente possível. Partimos dos sinais visíveis para os invisíveis, do corpo para a alma, de nós para Deus.
Não querendo contrariar algo que escrevi há alguns anos, mas talvez complementar essas mesmas palavras, fruto de algum amadurecimento que vamos tendo, se nos deixarmos moldar pelo Oleiro, fui pensando sobre a presença real da Sagrada Família no meio do rancho, local sagrado, onde ela nos acolhe a ampara, quando estamos mais debilitados. Cremos que ela está presente e até contamos com ela para os pedidos de orações, no entanto, onde reside a Sagrada Família efetivamente no rancho?
Este ano, fruto de algumas situações que foram ocorrendo ao longo do mesmo, confesso que fui vazio de tudo. Fui como uma vasilha sem água, no intuito de apanhar algumas gotas de orvalho, se possível, para que não estalasse e partisse-me em mil pedaços sem retorno, caso o calor fosse demasiado. Aqui e ali fui encontrando alguns oásis, no meio do deserto em que me encontrava. Fui molhando o barro de que sou feito e com isso, aos poucos fui ficando mais permeável à Sua palavra. Fui enchendo a minha vasilha, consoante Ele me falava e eu escutava-O. Escutava-O no silêncio da oração, no silêncio dos irmãos, na ausência dos meus pensamentos mundanos e pecaminosos, assim como nas palavras que fui trocando com os irmãos ao longo dos 5 dias de caminhada, molhando ao de leve os meus dedos na água pura da vasilha que ia enchendo aos poucos.

Foi nessa troca de palavras que ia tendo nos momentos oportunos com os demais irmãos que, aos poucos fui descobrindo onde reside efetivamente a Sagrada Família no meio do rancho.

Descobri que José reside naqueles irmãos que quando falamos usam poucas palavras, no entanto sérias, ponderadas e justas. Descobri que José reside naqueles irmãos, que mesmo pensando em repudiar-me por atitudes menos corretas que possa ter tido para com eles, não temeram em aceitar-me como sou, com algumas virtudes e imensos defeitos. Descobri que José reside nos irmãos, quais carpinteiros, que me ajudaram a moldar a madeira de que é feita o rancho, isto é, com as ferramentas que têm/temos, conseguimos que o trabalho que fizemos foi muito proveitoso para todos, ou seja, para nós e para as demais pessoas, por quem rezámos.

Descobri que Maria reside naqueles irmãos que oram incessantemente, mesmo que muitos de nós não nos tenhamos apercebido. Descobri que Maria reside naqueles irmãos, que ao longo da romaria foram guardando e meditando todas as palavras ditas, nos seus corações. Descobri que Maria reside naqueles irmãos, ao repararem nas minhas ânsias e inquietudes próprias do cargo, me sossegavam com as suas palavras de conforto e certezas, como que a dizerem-me “faz tudo o que Ele te disser”, qual servo que desejo ser.

E onde reside o menino Jesus, será a pergunta óbvia!

O menino Jesus reside e residirá sempre no centro do meu peito, caso eu O aceite como filho do homem que O é. Reside e residirá sempre no meu ser, caso eu O siga verdadeiramente, com todas as minhas imperfeições. Reside e residirá sempre na minha alma, apesar dos meus imensos e enormes pecados, desde que eu os assuma, e Lhe peça perdão por essas faltas seriamente, ainda que possa ser no meu último suspiro de vida.

Paulo Roldão
(um irmão romeiro, como os demais)
22 de março de 2020

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