Quarta-feira da II Semana da Quaresma
«Ele é propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas
também pelos de todo o mundo» (1 Jo 2, 2)
I. Propriamente falando, satisfaz pela ofensa quem, ao ofendido, oferece
algo que este ame tanto ou mais do que odeia a ofensa. Ora, Cristo,
sofrendo por obediência e caridade, ofereceu a Deus um bem maior do que
o exigido pela recompensa da ofensa total do gênero humano. Assim,
primeiro, pela grandeza da caridade, pela qual sofria. Segundo, pela
dignidade de sua vida, que oferecia em satisfação, que era a vida de Deus e
do homem. Terceiro, por causa da generalidade da Paixão e da grandeza
da dor assumida. Por onde, a Paixão de Cristo foi uma satisfação não só
suficiente, mas superabundante pelos pecados do gênero humano, segundo
aquilo do Evangelho: «Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo» (Mt 20, 19).
Em verdade, quem peca é que deve dar satisfação; porém, a cabeça e os
membros constituem uma como pessoa mística. Por isso, a satisfação de
Cristo pertence a todos os fiéis, como aos seus membros. Assim, também
quando dois homens estão unidos pela caridade, um pode satisfazer por
outro.
III, q. XLVIII, a. II
II. Ainda que Cristo tenha, com sua morte, satisfeito suficientemente pelo
pecado original, não é inconveniente que as penalidades conseqüentes
deste pecado permaneçam ainda naqueles que participam da redenção de
Cristo. Com efeito, que a pena continue mesmo após a abolição da culpa, é
algo em que se encontra harmonia e utilidade:
1. Para que exista conformidade entre os fiéis e Cristo, como entre os
membros e a cabeça. Ora, assim como Cristo suportou muitos sofrimentos
até chegar a glória da imortalidade, assim convinha que seus fiéis passassem
por sofrimentos até chegarem a imortalidade; trazem em si mesmos as
marcas da Paixão de Cristo, por assim dizer, para obter uma glória
semelhante a sua.
2. Pois, se os homens que vêm ao Cristo recebessem prontamente a
imortalidade e a impassibilidade, muitos homens se aproximariam do
Cristo mais por causa destes benefícios corporais que pelos bens
espirituais, o que vai contra a intenção de Cristo, que veio ao mundo para
levar os homens, do amor das coisas corporais, ao amor das espirituais.
3. Enfim, se os que se aproximam de Cristo se tornassem,
instantaneamente, impassíveis e imortais, isto, de certo modo, os
compeliria a abraçar a fé de Cristo. O que diminuiria o mérito da fé.
Contr. 4, 55.
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)
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