E tendo como sempre pela nossa banda esquerda, esse mar que nos é comum, situemo-nos, pois, com se estivéssemos lado a lado junto ao nosso irmão de ala, com o nosso bordão e terço, em cada uma das nossas mãos, carregando sobre os ombros a cevadeira, o xaile e o lenço que nos protege, seguindo ao ritmo dos irmãos guias e da «Cruz bendita», que à frente segue abraçando o Menino da Cruz, o nosso irmão mais novinho que a todos nós protege.
Do meu testemunho, para este nosso 2.º dia de Romaria, consagrar na minha perspectiva de missão, no desempenho da função de «Lembrador das Almas» do nosso Rancho e será nessa centralidade, que procurarei partilhar com os irmãos, essa mística, se bem que a conjugação de algumas das emoções que ocorrem sejam por vezes difíceis de as poder descrever em texto.
Os ponteiros no meu relógio marcam 3 horas, partilha-se do silêncio do lugar, ao suave respirar dos irmãos, ainda em merecido descanso, retemperador do primeiro dia de romaria. Aqui e ali, escutam-se roncos vindos de algumas direcções, o ressonar, tradicional na nossa espécie, mas insuficientes para domarem a calma que reina quase em absoluto na casa. Pé ante-pé e sem provocar ruído, rumo à Atafona, sem antes ter cuidado da minha higiene.
Estou já junto ao carro de bois e à sua seve de bodo, acendo o lume para aquecer o café da manhã, também o leite e o chá de nêveda, que na véspera e ao final da noite, havia reconfortado das energias gastas nos caminhos já percorridos da romaria.
São já 4 da manhã, hora da alvorada, a indicada pelo Irmão Mestre e Contramestre, para que todos os irmãos se levantem, se arrume o espaço que fora berço abençoado do corpo, tempo de colocar-se as cevadeiras, o xaile e lenço, e os terços, tomar-se o primeiro alimento deixado pelas mulheres e homens que tão bem nos têm recebido em todos os santos anos, na sede do seu Grupo Folclórico, agora também tornada «Casa de Romeiros».
Estamos prontos para seguirmos para o nosso segundo dia de romaria, o irmão Mestre dá o sinal com o sininho e à saída, junto ao pequeno portão, um a um vão beijando a Cruz que nos há de guiar com segurança até ao nosso novo destino.
Escuta-se a voz do irmão Mestre:
Bendita foi a hora e o Dia
Em que o Anjo São Gabriel
Desceu do Céu à Terra
Anunciando essas doces palavras
Avé Maria …
… Santa Maria
E partimos:
… Quase a chegarmos à Igreja, das Doze Ribeira, que tem como patrono São Jorge, ao passarmos junto ao cemitério da freguesia, lanço a «Salva» interrompendo, no momento certo, os irmãos que na frente entoam a Avé Maria …
“Seja sempre Bendita e Louvada
a Sagrada Paixão, Morte e Ressurreição
de Nosso Senhor Jesus Cristo!”
Os demais irmãos respondem:
“Seja pra sempre Louvada com Sua e Nossa Mãe Maria Santíssima!”
E eu na minha missão digo:
“Em honra e glória do mesmo Senhor
Aplicado por aquelas almas benditas do purgatório
Principalmente por aquelas que não têm ninguém que reze por elas
Lembremo-nos nós por amor e caridade!”
Pai Nosso, Avé Maria
“Em honra e glória do mesmo Senhor
Recordemos o Nosso Saudoso
Irmão David Fagundes
Que tão cedo nos deixou
Pedindo ao Pai e à Nossa Mãe Maria Santíssima
Que o tenham acolhido em Santa morada!
Pai Nosso, Avé Maria
E assim, caros irmãos, esse ritual se repetirá sempre que passarmos junto a um cemitério:
O levantar-se a «Salva» é sempre um momento de grande emoção interior, porque mais do que as palavras ditas, nos situam na memória dos entes queridos que já partiram;
Nos emociona também, pelo facto de estarmos a lembrar de tantos irmãos, que tendo já partido para o Pai, não recebem muitas vezes um gesto de gratidão e de saudade por parte daqueles que aqui foram seus familiares:
“Em honra e glória do mesmo Senhor
Aplicado por aquelas almas benditas do purgatório
Principalmente por aquelas que não têm ninguém que reze por elas
Lembremo-nos nós por amor e caridade!”
Pai Nosso, Avé Maria
Também ao longo da Romaria, outras situações ocorrem: passando-se ou avistando-se uma Igreja ou Ermida, invoca-se o seu orago (o patrono), ou sempre que algum momento se justificar, levanta-se a «Salva», fazendo-o sem preconceito, por tratar-se de um acto de fé em que confiamos e acreditamos, no poder da nossa «Oração» para que a mesma possa contribuir para o bem da causa e da humanidade que evocamos.
Neste 2.º Dia de Romaria, vivemo-la sempre com toda intensidade, aliás, como sempre ocorre ao longo dos demais dias do nosso caminhar quaresmal, são momentos grandiosos que sinalizo:
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