quarta-feira, 10 de março de 2021

22. Quarta-feira depois do III domingo da Quaresma: O Preço da Nossa Redenção


 Quarta-feira da III Semana da Quaresma


«fostes comprados por um grande preço» (1 Cor 6, 20)


A injúria ou sofrimento mede-se pela dignidade do lesado: sofre maior

injúria o rei, se esbofeteado, do que sofreria alguma pessoa privada. Ora, a

dignidade da pessoa de Cristo é infinita, pois é uma pessoa divina.

Portanto, qualquer sofrimento seu, por menor que seja, é infinito. Por

conseqüência, qualquer sofrimento seu seria suficiente para a redenção de

todo o gênero humano, mesmo sem sua morte.

Diz S. Bernardo que a menor gota de sangue de Cristo bastaria para a

redenção do gênero humano. Ora, Cristo poderia ter derramado uma única

gota de seu sangue sem morrer, logo, era possível que, mesmo sem morrer,

redimisse todo o gênero humano com algum sofrimento seu.

Para se efetuar uma compra, duas coisas fazem-se necessárias: o

montante do preço e sua destinação para a compra. Se alguém dá um valor

inferior ao da coisa que se quer adquirir, não se diz que houve compra, mas

que houve compra em parte e doação em parte: por exemplo, se alguém

comprar um livro que vale vinte libras com apenas dez, em parte comprou o

livro e em parte, o livro lhe foi dado. Do mesmo modo, se desse um valor

mais alto mas não o destinasse à compra do livro, não se poderia dizer que

houve compra.

Se, portanto, tratamos da redenção do gênero humano quanto ao preço,

qualquer sofrimento de Cristo, mesmo sem morte, seria suficiente, pela

infinita dignidade da sua pessoa.

Se, porém, falamos quanto a destinação do preço, então é preciso dizer

que os demais sofrimentos do Cristo não foram destinados por Deus Pai

e pelo Cristo para a redenção do gênero humano sem sua morte.

E isto por tríplice razão:

1. Para que o preço da redenção do gênero humano não fosse apenas de

valor infinito, mas também do mesmo gênero; isto é, para que fossemos

redimidos da morte, pela morte.

2. Para que a morte de Cristo não fosse apenas preço da redenção, mas

também exemplo de virtude, para que os homens não temessem morrer

pela verdade. E estas duas causas são assinaladas pelo Apóstolo: «a fim de

destruir pela sua morte aquele que tinha o império da morte» (Heb 2,

14), quanto ao primeiro ponto e «para livrar aqueles que, pelo temor da

morte, estavam em escravidão toda a vida» (Heb 2, 15), quanto ao segundo

3. Para que a morte de Cristo fosse também sacramento de salvação; pois,

em virtude da morte de Cristo, morremos para o pecado, para as

concupiscências da carne e para o amor próprio. E esta causa está

assinalada nas Escrituras: «também Cristo morreu uma vez pelos nossos

pecados, ele, justo pelos injustos, para nos oferecer a Deus, sendo efetivamente

morto segundo a carne, mas vivificado pelo Espírito» (1 Pd 3, 18).

E, por isso, o gênero humano não foi redimido sem a morte de Cristo.

Mas, permanece verdade que Cristo, que não apenas deu sua vida, mas ainda

sofreu tanto quanto se pode sofrer, teria pago um preço suficiente pela

redenção do gênero humano, ainda que a menor parcela de sofrimento

tivesse sido divinamente destinada a este fim; e isto, por causa da infinita

dignidade da pessoa do Cristo.


Quodl. II, q. I, a. II

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

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