quarta-feira, 24 de março de 2021

36. Quarta-feira depois do I domingo da Paixão: O Sepulcro Espiritual *


 quarta-feira da I semana da Paixão


A contemplação das coisas celestes é representada pelo sepulcro. Por isso,

sobre a passagem das Escrituras (Jó 3, 22): "e ficam transportados de alegria,

quando encontram o sepulcro?", comenta são Gregório: na contemplação das

coisas divinas, a alma, morta para o mundo, esconde-se como um corpo na

sepultura e, longe de toda inquietação do século, repousa por três dias como

que por uma tripla imersão. Os atribulados e vexados pelos insultos dos

homens, ao entrar em espírito na presença de Deus, não mais se sentem

atribulados, conforme aquilo do salmista (Sl 30, 21): "Sob a proteção do teu

rosto os defendes das conjuras dos homens".

Três coisas são necessárias para este sepulcro espiritual em Deus: que a

alma pratique as virtudes, torne-se toda pura e branca e morra

radicalmente para o mundo. Todas estas condições se encontram

misticamente presentes na sepultura de Cristo.

1. A primeira encontramos em são Marcos (14, 8), no lugar em que se diz

que Maria Madalena embalsamou com antecipação a sepultura de Jesus:

o balsamo precioso de nardo significa as virtudes que possuem grande

preço. Nada nesta vida é mais precioso que as virtudes. Por isso, a alma

santa que quer ser embalsamada na divina contemplação, deve antes de mais

nada receber o balsamo pelo exercício das virtudes. Assim dizia Jó (5,

26): "Entrarás, na maturidade, no sepulcro..." —a que acrescenta a Glosa: da

divina contemplação — "...como um feixe de trigo colhido a seu

tempo." — novamente a Glosa: porque o tempo da ação tem por recompensa a

eterna contemplação; e é preciso que o perfeito exercite antes sua alma nas

virtudes para guardá-la em seguida no celeiro do repouso.

2. A segunda encontramos também em são Marcos (15, 40), no lugar em

que se diz que José comprou um sudário, pois o sudário é uma peça de

linho, e o linho só se embranquece com muito trabalho. Daí vêm o

simbolizar a candura da alma, à qual só conquistamos com muito trabalho.

Lê-se no Apocalipse (22, 11), "aquele que é justo justifique-se mais; aquele

que é santo, santifique-se mais". São Paulo dizia aos romanos (6, 4): "Nós

fomos, pois, sepultados com ele, a fim de morrer pelo batismo, para que, assim

como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos uma

vida nova", progredindo do bem ao melhor, pela justiça da fé, na esperança

da glória. Assim, devem os homens guardarem-se no sepulcro da divina

contemplação pelo candor da pureza interior. Por isso, sobre aquilo da

Escritura (Mt 5, 8): "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a

Deus", disse são Jerônimo: o Senhor, que é puro, é visto pelo coração puro.

3. A terceira encontramos em são João (19, 39), quando diz "Nicodemos,

o que tinha ido primeiramente de noite ter com Jesus, foi também, levando

uma composição de quase cem libras de mirra e de aloés". As cem libras de

mirra e de aloés, pelas quais o corpo morto conserva-se sem se

corromper, significam a mortificação perfeita dos sentidos exteriores,

pela qual a alma, morta para o mundo, conserva-se sem se corromper

pelos vícios; segundo esta palavra de são Paulo (2 Cor 4, 16): "embora se

destrua em nós o homem exterior, todavia o homem interior vai-se renovando

de dia para dia", ou seja, torna-se cada vez mais puro de vícios pelo fogo da

tribulação.

Por isso, a alma do homem deve, antes de mais nada, morrer para este

mundo com Cristo e, sem seguido, ser sepultada com ele, no segredo da

contemplação. São Paulo o dizia aos Colossenses (3, 3): "estais mortos para

as coisas terrenas e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus".


De Humanitate Christi, cap. XLII

(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

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