Sábado da terceira semana da Quaresma
«Fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho.» (Rm 5, 10)
Pela Paixão de Cristo fomos liberados do reato da pena de dois modos:
I. — A Paixão de Cristo é a causa de nossa reconciliação com Deus, de dois
modos.
Primeiro porque remove o pecado pelo qual os homens são constituídos
inimigos de Deus, segundo aquilo da Escritura (Sb 14, 9): Deus igualmente
aborreceu ao ímpio e a sua impiedade. E noutro lugar (Sl 5, 7): Aborreces a
todos os que obram a iniqüidade.
De outro modo, como sacrifício muito aceito de Deus; assim como
perdoamos uma ofensa cometida contra nós quando recebemos um serviço
que nos é prestado. Donde o dizer a Escritura (1 Rs 26, 19): Se o Senhor te
incita contra mim, receba ele o cheiro do sacrifício. Semelhantemente, o ter
Cristo sofrido voluntariamente foi um bem tão grande, que em razão desse
bem descoberto em a natureza humana, Deus se aplacou no tocante a
qualquer ofensa do gênero humano, contanto que o homem se una com a
Paixão de Cristo, segundo a fé e a caridade.
Não se diz que a Paixão de Cristo nos reconciliou com Deus porque de novo
nos começasse a amar, pois está na Escritura (Jr 31, 3): Com amor eterno te
amei. Mas porque a Paixão de Cristo eliminou a causa do ódio, quer por ter
delido o pecado, quer pela compensação de um bem mais aceitável.
IIIa q. XLIX a. 4
II. — Se pensarmos naqueles que O lançaram à morte, a Paixão de Cristo
foi verdadeiramente uma causa de indignação. Mas, a caridade de Cristo
padecendo foi maior que a iniqüidade dos homens. Por isso a Paixão de
Cristo é mais eficaz para reconciliar com Deus todo o gênero humano
que para provocar sua cólera.
O amor de Deus por nós se revela nos seus efeitos. Dizemos que Deus faz
participar de sua bondade aqueles que ama. Ora, a maior e mais completa
participação na sua bondade consiste na visão da sua essência, pela qual
privamos com Ele como amigos, pois a beatitude consiste nesta serenidade.
Assim, pode-se dizer simplesmente que Deus ama a quem admite a esta
visão, quer pelo dom real, quer pelo dom da causa — como ocorre com
aqueles a quem Deus deu o Espírito Santo como penhor desta visão. Pelo
pecado, porém, ao homem foi retirada esta participação na bondade divina,
ou seja, a visão de sua essência; e sob este aspecto, diz-se que o homem
estava privado do amor de Deus. Ora, após Cristo ter satisfeito por nós pela
sua Paixão, e conseguido que fossemos readmitidos à visão de Deus, diz-se
que nos reconciliou com Deus.
2 Dist. 19, q. I, a. 5
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)
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