quarta-feira, 14 de abril de 2010

Os "sinais" em Romaria

(peça exposta na loja Sapateia)

"Desde a morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, que todos nós (meros Homens e Cristãos) por vezes caímos na tentação de querer ver sinais da presença efectiva de Deus nas nossas vidas. Apesar de tudo o que dizemos, escrevemos ou professamos, são muitas as vezes e situações que assim pensamos e agimos. Não nos basta o que Ele transmitiu aos seus discípulos e seguidores, não nos basta o que ficou escrito “Felizes os que acreditam sem terem visto” e ainda hoje, por vezes, continua a não bastar… infelizmente. Ainda hoje queremos ouvi-Lo “com numerosos «milagres, prodígios e sinais» (Act 2, 22)”.
Deus está constantemente a dar-nos sinais, mas nós, muitas vezes, procuramos sempre do lado do extraordinário e raramente Deus está no extraordinário. Deus está, isso sim, frequentemente no simples e na simplicidade da vida. Para mim, o maior sinal que Ele nos oferece é o de uma família humana, como as nossas, em que Ele se faz corpo para ser «Deus connosco».
Conta-se que um velho árabe, analfabeto, orava com tanto fervor e carinho, cada noite, que certa vez, o rico chefe da grande caravana, chamou-o à sua presença e lhe perguntou: “Por que rezas com tanta fé? Como sabes que Deus existe, se nem ao menos sabes ler?”. O crente respondeu: “Grande senhor, conheço a existência de Nosso Pai Celeste pelos sinais dele”. “Como assim?”, indagou o chefe, admirado. O servo humilde explicou-se: “Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu?”. “Pela letra”. “Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto ao autor dela?”. “Pela marca do ourives”. O empregado sorriu e acrescentou: “Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, depois se foi um carneiro, um cavalo ou um boi?”. “Pelos rastros”, respondeu o chefe, surpreendido. Então, o velho crente convidou-o para fora da tenda e mostrando-lhe o céu, onde a lua brilhava cercada por multidões de estrelas exclamou, respeitoso: “Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens…muito menos de algum cavalo ou algum boi…logo são de Deus!”. Nesse momento, o rico chefe, ajoelhou-se na areia e começou a rezar também.
Deus, mesmo sendo invisível ao olhar humano, deixa-nos sinais em todos os lugares. Na manhã que nasce calma com o chilrear dos pássaros, no dia que transcorre com o calor do sol que nos aquece ou com a chuva que cai e sacia a terra e o verde das pastagens. Ele também deixa sinais, quando alguém se lembra de ti, quando alguém te considera importante ou te visita numa hora de sofrimento.
Deus está em todo o lado mas, na maioria das vezes está naqueles locais, naquelas pessoas ou naquelas situações em que pensamos que nunca estaria.
Também em romaria não somos muito diferentes e muitos de nós (começando por mim algumas vezes), tendemos a querer ver sinais aqui, ali ou acolá, quando esses mesmos sinais não estão ao nosso redor, não estão fora de nós, mas sim estão “simplesmente” dentro de nós, dentro dos nossos corações.
No 4º dia de romaria, um dia por excelência em que o silêncio com Deus reina sobre todas as coisas e especialmente no “meio do nada”, onde temos tudo em abundância, este ano deparei-me com uma “certeza” (incerteza por certo já neste preciso momento) sobre estes sinais. A meu ver existem três tipos de sinais. O 1º tipo são aqueles que vemos mais frequentemente em romaria, vulgarmente chamados de trânsito. O 2º tipo são aqueles que denomino de “seguidores de Tomé”, os quais, ao verem um pequeno nevoeiro a cobrir tudo e todos, já imaginam a transfiguração de Cristo Nosso Senhor assim como a aparição de Moisés e Elias, e o 3º e último tipo de sinais (os autênticos) são aqueles que apenas vemos com os olhos da alma, são aqueles que apenas sentimos nas entranhas do espírito, são aqueles que, não havendo nada de extraordinário ao nosso redor, Deus está connosco e nós com Ele."

Artigo publicado no Jornal "A União" de hoje.

1 comentário:

Joao F Dinis disse...

Ao ler o teu excelente artigo, fez-me lembrar o pensamento de um teólogo que não retenho o nome e que afirmava existirem dois tipos de fé: A fé infantil (a que precisa de sinais) e a fé adulta que não precisa desses marcos.
Retive também que a fé não é sentir, mas saber; não é evidência mas certeza; não é emoção mas convicção. A fé para mim é uma questão de vida, quando a vida vai bem, a fé vai bem e vice-versa.